Peça teatral desenvolvida com pacientes de saúde mental emociona o público do Tiradentes em Cena e levanta questões importantes de como a arte e a delicadeza podem contribuir na melhora e reabilitação dos envolvidos
Os moradores de Tiradentes, turistas desavisados e pessoas que vieram para curtir e prestigiar a semana do Festival se comoveram com o espetáculo “Queira ou não estamos aí”, uma iniciativa do diretor de teatro Fabrício Sereno, que promove uma oficina terapêutica de teatro no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Guida Sollero, na cidade de Uba (MG). A oficina fez tanto sucesso, que acabou se transformando em uma peça, que já foi encenada várias vezes. Porém, é apenas a segunda vez que ela é apresentada em um festival, onde, geralmente, a plateia não tem vínculo com os atores, nada sabendo de suas histórias pessoais, como explica o grande responsável por tudo – que assina a direção, concepção, produção, dramaturgia, figurinos e cenografia – Fabrício Sereno: “Esse espetáculo foi apresentado só para o público da saúde mental, querendo ou não, um publico que tutela eles, que já vem com aquele olhar um pouco paternalista. Por isso, trazer aqui pro festival, para um público que não conhece o histórico deles, um o público que não sabe quem eles são, que realmente os vê como um grupo que está apresentando um espetáculo, é lindo. Esse feedback dessa troca de energia, essa troca emocional é muito importante. Valoriza e mostra para o público algo que eu sempre achei – que eles são fantásticos e muito capazes. E ainda tem a troca de depois, que é muito emotiva. O espetáculo é nu e cru, para mostrar o que eles realmente são. E isso, pra mim, já é poesia.
Público e atotes se misturaram após o espetáculo. Na saída, era difícil distinguir quem estava mais emocionado. Para Marisol Jotta, dona da Pousada Arte de Bem Viver, a peça foi arrebatadora, um soco na cara de tanta realidade, tato e sensibilidade. “O diretor foi extremamente delicado, sensível. Com apenas uma fala a gente via uma cena inteira de dentro do cotidiano deles. Foi um negócio muito, muito, muito forte. No final, todo mundo teve que subir no palco, abraçar cada um. Enquanto eu chorava muito, eles estavam apenas muito felizes por estarem ali, se apresentando”. Claramente mexida pelo espetáculo, Marisol completa: “Foi uma das coisas mais sensacionais que eu já vi na minha vida. Mesmo! Já tinha um conceito do Tiradentes em Cena, de realmente trazer experiências únicas do teatro. Mas essa foi única mesmo. Pensar no teatro como arte, dessa forma, foi uma das coisas mais maravilhosas que eu já vi”.
Já Renê Arruda, um dos atores do espetáculo, que também é poeta e está prestes a lançar seu primeiro livro, intitulado “Colcha de Retalhos”, saiu do teatro, talvez, mais sereno que o próprio diretor da peça. Com visível gratidão, confidenciou: “Fabrício, o diretor de teatro, fez esse projeto lá CAPS, para mostrar que o internamento tirava a liberdade do paciente. E o CAPS resgatou pessoas com um grau de sabedoria e investiu nisso. Lá, a gente tem muita liberdade. A gente chega a hora que a gente quer, toma café a hora que a gente tem vontade, vai em oficinas, cada um na sua. É só alegria. E o Sereno veio para nos ensinar, para nos deixar mais a vontade. Ele que me ensinou como eu devo me comportar em cima de um palco”.
É... Como disse o próprio diretor no final da entrevista, com toda propriedade do mundo: “É porque todo ser humano tem o direito de ser artista”.